Trilhas de Longo Curso

A conservação no Brasil vive um momento em que o uso público, finalmente, começa a ser visto também como um instrumento de preservação da natureza. Se bem manejadas, as atividades de visitação se assentam sobre três pilares principais: (1) geração de emprego e renda; (2) recreação em contato com a natureza e (3) ferramenta de conservação. Ao redor do planeta, um equipamento que se assenta sobre esses três pilares tem sido cada vez mais usado nas políticas públicas de conservação da natureza: a Trilha de Longo Curso.
Em 2021 completará um século que o americano e planejador regional Benton MacKaye tornou pública em um de jornal de New York, a proposta da “Appalachian Trail” (AT), (Trilha dos Apalaches): um projeto no planejamento regional. Naquela época, a proposta já integrava cerca de 1.600 km de trilhas desde o estado de Maine até a Georgia na costa leste dos EUA. Com o apoio de dedicados grupos de voluntários, o projeto de sinalização da trilha foi completamente finalizado em 1937. Hoje, a Trilha que é referência para todos no planeta, já conta com 3.500 km de caminhos pedestres sinalizados.

Appalachian não se restringia a um mero caminho, Benton MacKaye aspirava uma trilha que oferecesse uma oportunidade de contato dos seres humanos com a natureza. E foi caminhando nesse sentido que, a partir de 1968, as Trilhas de Longo Curso foram o motor da criação Sistema Nacional de Trilhas Norte-Americano (National Trails System). Nesse momento nascia as Trilhas Nacionais Cênicas (National Scenic Trail) que é considerado uma categoria de Unidade de Conservação, como um Parque Nacional. No ano que o eles comemoravam 50 anos de sistema de trilhas americano, nascia o equivalente no Brasil, a Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso.

Desde então, as trilhas tiveram reconhecido seu valor como conectores de paisagem, facilitando o fluxo gênico entre áreas preservadas no mundo inteiro. De acordo com a American Hiking Society, a população norte-americana conta atualmente com 1.274 trilhas de longo curso que, juntas, somam mais de 91 mil quilômetros de caminhos sinalizados e oficialmente protegidos nos EUA.

Na segunda metade do século XX o conceito de Trilhas de Longo Curso (TLCs) chega na Europa e recebe rapidamente o componente geração de emprego e renda. No velho continente as TLCs começam a contar firmemente com o apoio de pequenos e médios empresários. O estabelecimento de serviços de hospedagem, restaurantes, armazéns de produtos alimentícios e lojas de equipamentos de esporte promovem o desenvolvimento em bases responsáveis, estruturando as Trilhas como verdadeiros equipamentos turísticos.

Image
Hoje as Trilhas de Longo Curso são reconhecidas como equipamentos de lazer, geração de emprego e renda e conservação em todo o planeta. Na Europa, o Sistema Europeu de Trilhas de Longo Curso, denominadas “E”, conta com doze rotas internacionais (E1 a E12), que juntas somam 55.000 km. Cada “E” tem mais de 3.000 quilômetros que mantêm ao longo de seu traçado a padronização da sinalização e manejo. Cada uma delas, entretanto, se subdivide em trechos menores, sendo formada pela soma de várias trilhas de longo curso regionais, com governança e estratégias de marketing e geração de emprego e renda próprias, em uma sequência na qual o fim de uma trilha regional coincide com o início da trilha regional subsequente.
A mais famosa delas, o Caminho de Santigo no nordeste da Espanha, percorrido em 2017 por 301 mil caminhantes, sustenta uma vasta rede de pequenos albergues, restaurantes e lojas de equipamentos, com seus benefícios espalhados ao longo de centenas de quilômetros. O padrão se repete nos outros países do continente. Segundo relatório de 2017 da Ramblers Association, naquele ano trilheiros ingleses gastaram £ 6.14bilhões e a atividade gerou 245.000 empregos de tempo integral. Em 2008, o simples caminhar em trilhas gerou £ 2.8 bilhões na Escócia e £ 550 milhões no País de Gales.

A West Highland Way, trilha de 156 km na Escócia, foi percorrida em 2016 por 75.000 pessoas, que gastaram £ 3.5 milhões em cerca de 200 estabelecimentos comerciais que declararam ter seu sustento principal nos frequentadores daquela trilha. Ainda no Reino Unido, a trilha Inglesa de 1.014 km conhecida como South West Coast Path, gerou £307 milhões para a economia regional, com a geração de 7.500 empregos diretos. Em comparação, o custo de manutenção e manejo da South West Coast Path é de £500 mil por ano.

No Japão é possível caminhar quase 1.700 quilômetros por áreas remotas do país por meio da Tokai Natural Trail e no Chile, 1.200 quilômetros estão sinalizados de norte a sul do país. No Canadá a chamada Great Trail (A Grande Trilha) foi implementada nos últimos 25 anos e possui 24 mil quilômetros em 13 estados canadenses, ligando o pais do Oceano Pacífico ao Atlântico.
Image
A World Trails Network, congrega internacionalmente as principais trilhas e destinos de caminhadas do mundo. São parte desse seleto grupo cerca de 200 grandes trilhas espalhadas por todas as regiões do mundo. Entre elas, temos duas brasileiras: a Trilha Transmantiqueira e a Trilha Transcarioca, além da própria Rede Brasileira de Trilhas.

A Transmantiqueira possibilita que o caminhante percorra um sistema de trilhas interconectadas que juntas somam mais de 1.000 km, numa experiência fascinante na épica Serra da Mantiqueira. Atravessando 47 municípios dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e 30 áreas protegidas. Desde a Serra da Cantareira, em São Paulo até o Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais.

Já a Trilha Transcarioca, que leva o título de primeira Trilha de Longo Curso do Brasil, com seus 183 km de florestas, praias selvagens, incluindo o Corcovado (uma das 7 maravilhas do mundo moderno), o Pão de Açúcar e mirantes de tirar o fôlego, foi lançada em 2017, depois de 20 anos de planejamento e trabalho integrado de voluntários e servidores públicos.

A Transcarioca, a Transmantiqueira e outras mais de 50 Trilhas de Longo Curso formam hoje a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso. Inspirada nas experiências internacionais, em especial nos sistemas europeu e norte americano, a Rede Brasileira de Trilhas congrega grandes trilhas nacionais compostas por trilhas regionais menores e promove o planejamento integrado e a sinalização padronizada das trilhas em todo território nacional, criando oportunidades de recreação, gerando emprego e renda, e conectando paisagens.