A sinalização

I - Introdução:

O ato de sinalizar um caminho, indicando a direção correta a seguir, é tão antigo quanto a própria história da humanidade. Índios nas Américas, peregrinos cristãos na Europa Medieval e bandeirantes no Brasil já se utilizavam de marcações feitas em pedras e árvores para alcançarem seus destinos.

As recentes ações de sinalização das trilhas brasileiras vão justamente ao encontro de um movimento de sucesso que ecoa mundo afora, onde essas trilhas são usadas como poderosos aparelhos de recreação e educação ambiental, além de uma ótima ferramenta para a conservação do meio ambiente e uma alternativa para gerar de emprego e renda por onde elas passam.

O papel cumprido pela sinalização, além de ajudar a ordenar o turismo nas áreas naturais, levando o visitante a percorrer os trechos de maior beleza cênica, visa ainda a:

Tótens de pedras nas montanhas

-Segurança para o usuário, indicando a direção correta e evitando que se perca.

-Proteção para o meio ambiente, facilitando ações de manejo e diminuindo o impacto no local ao evitar processos erosivos, criação de atalhos e pisoteio de áreas sensíveis; recuperando nascentes; diminuindo a perturbação aos animais; induzindo o caminhante para o trajeto desejado pelos gestores da trilha, etc.

No Brasil, a “arte” de sinalizar trilhas vem crescendo dentro e fora das Unidades de Conservação. Elas são coordenadas e orientadas pela Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso e Conectividade (REDE TRILHAS) que, por sua vez, segue o preconizado no Manual de Sinalização do ICMBIO. Este manual foi o resultado de uma extensa e minuciosa pesquisa seguida de visitas técnicas às entidades responsáveis por unidades de conservação do meio ambiente em diversos países.

A Trilha Transcarioca, na cidade do Rio, é um exemplo de sucesso da implantação do novo padrão de sinalização brasileiro. A Trilha Transmantiqueira, uma TLC (Trilha de Longo Curso) nacional que atravessa terras de SP, MG e RJ, segue o mesmo caminho.

 

White blaze - Appalachian trail

Rota turística Roblín - Republica Tcheca

Caminho de Santiago de Compostela

Pacific Crest Trail

II - Entendendo a sinalização da Trilha Transmantiqueira

De uma maneira geral, a sinalização se apresenta na trilha de 2 formas:

1ª) Sinalização rústica: sinalização pintada em anteparos artificiais ou naturais. De caráter “temporário”, exige uma manutenção periódica. Utiliza a técnica conhecida por “stêncil”: moldes com o símbolo da trilha, cortados a laser em 4 tamanhos diferentes, feitos de PETG. Eles são colocados sobre a superfície a ser sinalizada e aplica-se tinta spray nas cores “amarelo” e “preto”.

As vantagens dessa sinalização são muitas: baixo custo; nâo poluem como fitas plásticas e cordinhas; execução rápida e fácil; não demandam grandes esforços para manutenção, substitução ou mesmo retirada; dificilmente serão vandalizadas, arrancadas ou danificadas pois utilizam estruturas fixas no meio ambiente.

A técnica da sinalização rústica é usada com sucesso há mais de 50 anos em vários países ao redor do mundo, com destaque para os países europeus e para os EUA e Canadá. Detalhe: esse tipo de sinalização não exclui a colocação de placas e tabuletas.
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-Na sinalização rústica, os anteparos artificiais em meio a natureza são prioridade, pois irão, normalmente, atrair a atenção dos caminhantes: postes, mourões, cercas, porteiras, restos de construções, etc.

Pegada pintada no moirão

Pegada pintada no poste

-Não serão sinalizadas de forma ‘rústica’ as ruínas históricas, os sítios arqueológicos, os monumentos, as espécies vegetais protegidas (araucárias, etc.) bem como pontos turísticos naturais (pedras representativas, grutas, picos, etc.).

-A sinalização em árvores é feita na camada exterior do seu tronco (casca ou súber), sem comprometer o sistema vascular da planta por onde a seiva é conduzida (xilema e floema). Em algumas espécies, raspamos levemente um pouco da casca para melhor fixação da sinalização que ficará, preferencialmente, do lado direito da trilha e na altura dos olhos (1,70m).

Pegada pintada na árvore

Pegada na altura dos olhos

-A sinalização rústica em árvores e pedras não compromete de forma definitiva aquela superfície pois intempéries (umidade, luz solar, chuva, temperaturas excessivas, etc.) degradarão com o tempo a tinta, indicando a necessidade de uma manutenção periódica e, quando necessária, até uma mudança de local. Os líquens e musgos, após 6 meses em média, retomam suas posições originais nas pedras dos campos de altitude. Abaixo, ação de desgaste por líquen (esquerda) e intempéries (direita) no Parque Nacional de Itatiaia-RJ/MG:

Desgaste por líquen

Desgaste natural da sinalização

-A densidade da sinalização na trilha é definida através de um “projeto” onde são levados em conta a classe da trilha e a experiência que se quer proporcionar ao caminhante. Portanto, não encare a sinalização como uma brincadeira de “ligar pontos”: você encontrará setas normalmente nos locais de dúvida (setas direcionais e confirmatórias nas bifurcações) e em momentos onde a TMTQ quer passar a sensação de segurança para você sentir que está no caminho certo (setas calmantes ao longo do trajeto).
2ª) Sinalização permanente: são as placas e tabuletas fixadas ao longo do trajeto. Possuem mais informações do que a rústica, porém, são vulneráveis ao vandalismo; por esse motivo, sempre que possível existirão próximos dela, uma sinalização rústica, complementando-a.

Nas trilhas, algumas tabuletas infelizmente já foram levadas como souvenir, porém, a sinalização rústica que estava na pedra ao lado, permaneceu indicando a direção correta. A fixação das “placas e tabuletas” também é feita com critérios, utilizando-se pregos de uso ‘naval’ (cobre ou galvanizados) e rebites de alumínio, pois não enferrujam, impedindo danos aos anteparos naturais.

Existem vários tipos de sinalização permanente: Placas de Entrada de Trilha (PET), Placas de Atrativos (PAT), Tabuletas Direcionais, etc. Abaixo, alguns exemplos:
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Placa de Entrada de Trilha (PET) nos EUA, com mapa e informações da trilha

"A sinalização é diferente de pichação (crime ambiental punido com multa e detenção) e de “grafite” (arte urbana contemporânea)."

Povos Nativos dos 5 Continentes, Rio de Janeiro - Eduardo Kobra

Pichação

Uma trilha “sempre” será uma intervenção no ambiente, pois irá impactar o local onde está implantada, de alguma forma, seja através do próprio uso da trilha pelos caminhantes, pelo trajeto aberto na mata (remoção de obstáculos, colocação de degraus, limpeza, etc.) como pelas suas estruturas de apoio à visitação. Sendo assim, nada mais justo e correto do que sinalizar e manejar o caminho, sacrificando aquele local para que não haja intervenções em outras áreas mais sensíveis que nós queremos preservar.

Desta forma, todos ganham, caminhantes e serra da Mantiqueira!
Seja também um voluntário da Trilha Transmantiqueira!

Participe de nossos seminários, reuniões e mutirões!
 
A serra da Mantiqueira e as futuras gerações, agradecerão!

“Uma trilha onde existe a presença extensiva de sinalização e manutenção periódica demonstra a presença do Estado no local, servindo como instrumento de segurança para caminhantes e inibindo a presença de elementos mal intencionados”.

III - Marca de uma trilha: Identidade e pertencimento

Em publicidade, o conceito de marca é a união de um “símbolo gráfico” com a “missão, valores, visão e o próprio usuário” daquele determinado produto ou serviço, mas, e nas trilhas, seria possível aplicar esse conceito de marketing?

E qual seria a utilidade do “símbolo gráfico”?

O pessoal que, no futuro, iria compor os quadros do REDE TRILHAS juntamente com os responsáveis pelo Manual de Sinalização do ICMBIO, disseram que sim e mostraram o porquê.

Primeiramente, cada trilha criaria o seu próprio “símbolo”, uma característica que a representasse dentro da sua região (marco da topografia local, ponto turístico, etc.), tornando a sua trilha identificável no âmbito nacional dentro da REDE, conferindo, desta forma, uma IDENTIDADE para a mesma.

Em seguida, o símbolo escolhido seria “modificado, estilizado” para ficar parecido com alguma coisa que nos remetesse ao ato de “caminhar”. O que melhor representaria isto? Claro que é uma PEGADA, a marca deixada no chão pela sola de uma bota de trilha. Inclusive, essa pegada poderia até dar uma “direção”, bastando olhar o sentido que ela estava seguindo...

A partir daí, começaram a pipocar, país afora, os “símbolos” das trilhas que, conectadas entre sim e também ligando Unidades de Conservação, fariam brotar no futuro, as famosas Trilhas de Longo Curso, juntamente com os tais “corredores ecológicos”...

O Dedo de Deus - Caminho da Serra do Mar - RJ

Povos Nativos dos 5 Continentes, Rio de Janeiro - Eduardo Kobra

Um veado - Caminho dos Veadeiros - GO

Uma cachoeira - Trilha das 10 Cachoeiras - MG

Uma seringueira - Trilha Chico Mendes - AC

Mas ainda faltava alguma coisa para melhorar a sinalização brasileira e torná-la a melhor do mundo, faltava a “cereja do bolo”: colocar o "símbolo" da trilha dentro de uma "seta":

PEGADA (caminhar) + SETA (naquela direção) = COMPREENSÃO UNIVERSAL

Enquanto isso, na Trilha Transmantiqueira...

A Pinha e a Araucária - Foto: Douglas-Scortegagna

O “símbolo” escolhido para representá-la nacionalmente foi uma árvore, a araucária (Araucaria angustifolia), espécie que já foi abundante no Brasil e hoje integra a lista do IBAMA como espécie ameaçada de extinção e na União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), como “em risco extremo de extinção”, última instância antes de ser considerada extinta. Obs.: o dia 24 de junho, no calendário brasileiro, é o Dia da Araucária.
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Nesse símbolo, a copa da araucária com a sua pinha, estilizadas na forma de uma pegada e inseridas dentro de uma seta, fornecerão ao caminhante duas coisas: sentido da direção a seguir, através da “seta” e a identidade da trilha que está percorrendo, a da “araucária” da serra da Mantiqueira, a Transmantiqueira.

          E terminou por aí?

          Não. Têm mais coisa...
       
Voltando ao assunto da “marca” e “publicidade”.

Com o símbolo definido, podemos pensar agora na “MARCA”, juntar ao símbolo, tudo aquilo que nós queremos que ele represente: missão, visão, valores e, é claro, o “usuário” da trilha. E alinharmos a isso os conceitos que permeiam as TLCs: um aparelho de recreação junto à natureza; uma ferramenta de conservação para a Mantiqueira; o resgate da história e da cultura do território no entorno da trilha, desenvolvendo as comunidades de forma sustentável, sendo também uma alternativa para gerar emprego e renda.

Agora sim, temos uma MARCA: símbolo + o que ele representa.

Por último, é fato também que a MARCA da trilha, além de conferir IDENTIDADE àquele caminho que atravessa vales, montanhas e matas, vai também gerar um sentimento novo em seus usuários, moradores e voluntários, o PERTENCIMENTO: a trilha também me pertence, agora ela tem vários “donos” e eu sou um deles! A trilha agora tem quem cuide dela. A trilha agora tem “governança”. Sou também responsável por ela!

Desta forma nasceu a marca da TMTQ. Ela, para a segurança de todos, está registrada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), representando não só a ATT (Associação Trilha Transmantiqueira), mas também todo o corpo de voluntários e moradores das comunidades por onde a trilha passa, unindo a sociedade civil organizada aos órgãos do poder público nas esferas federais, estaduais e municipais. 

Hoje, o caminhante quando observa uma tabuleta ou uma sinalização rústica na cerca, na árvore ou na pedra, sabe que, além de estar na trilha certa e na direção escolhida, ele também está dentro de um sistema, de uma REDE de trilhas, todas unidas e com objetivos em comum – nós agora não somos simples usuários, como durante muito tempo todos fomos, agora somos parte da trilha, da engrenagem que a mantém viva.

A TMTQ está sendo sinalizada, inicialmente, de OESTE para LESTE, ou seja, do Parque Estadual da Cantareira-SP, próximo ao Horto Florestal, até o Parque Estadual de Ibitipoca-MG, atravessando outras dezenas de Unidades de Conservação, dentre elas uma federal, o Parque Nacional de Itatiaia-RJ.