Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso - Rede Trilhas

Em 2017, uma iniciativa articulada a nível governamental, por meio da Coordenação-Geral de Uso Público do ICMBio, movida pela experiência da Trilha Transcarioca e outros cases globais, iniciou o movimento para tirar do papel outros projetos de trilhas no Brasil. O movimento ganhou reconhecimento legal com a publicação da Portaria Conjunta (MMA/MTur) nº 407, de 19 de outubro de 2018, que instituiu a Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade – Rede Trilhas, inserida no Programa Nacional de Conectividade de Paisagens - CONECTA, instituído pela Portaria MMA nº 75, de 26 de março de 2018.

Composta por trilhas reconhecidas pela sua relevância nacional para a conectividade de paisagens e ecossistemas, recreação em contato com a natureza e o turismo, a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso proporciona aos seus usuários o contato com as lindíssimas praias dos mais de 10 mil km do litoral nacional, mas também oferece experiências nas majestosas montanhas do nosso país, seus planaltos, cânions, rios, cachoeiras, além do nosso riquíssimo patrimônio histórico e cultural.

No dia 16 de agosto de 2019, durante o Congresso Brasileiro de Ecoturismo e Turismo de Aventura em Ilhabela SP, foi empossada a primeira Diretoria da Associação Rede Brasileira de Trilhas, movimento da sociedade civil organizada que passou a coordenar formalmente as ações de todos os grupos voluntários responsáveis pela montagem, sinalização e manutenção das trilhas que formam a Rede.

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Em sua concepção, a Rede Brasileira de Trilhas optou por estimular a criação de Trilhas de Longo Curso Nacionais que são o resultado da soma de trilhas regionais com identidade, governança e estratégia de geração de emprego e renda próprias. Cada uma delas podendo ser percorrida totalmente ou seus setores, idealmente, em períodos de (1) um fim de semana (2) até 5 dias; (3) até 13 dias e (4) até um mês, pois são espaços de tempo que cabem nos diferentes períodos de férias, permitindo ao ecoturista voltar para casa com a sensação de ter atingido o objetivo de completar a totalidade de uma trilha. Já as trilhas regonais normalmente são criadas pela interligação de várias trilhas menores, que são chamadas de trilhas locais.

Assim, o planejamento está sendo feito para que uma Trilha de Longo Curso Nacional, a exemplo da Trilha Oiapoque x Chui, seja constituída da soma de várias trilhas regionais em que o final de uma coincide com o início da seguinte. No total, uma trilha de longo curso nacional deve ser composta por um cardápio (de trilhas regionais) variado de opções que pode caber em férias de um mês como o Caminho das Araucárias (entre Canela e o Parque Nacional de São Joaquim), ou em um período de férias de duas semanas, tal como a Trilha Transcarioca (12 dias de caminhada) e a Rota dos Faróis, ou ainda em um período inferior a uma semana, como a Rota Darwin, os Caminhos da Serra do Mar (4 dias) ou as voltas da Juatinga e da Ilha Grande, ambas no estado do Rio de Janeiro. A mesma estratégia vale para o Caminho dos Goyases, composto pela soma de três trilhas regionais, cujo primeiro segmento, o Caminho de Cora Coralina, com 302 km entre Goiás Velho e Corumbá de Goiás já está totalmente sinalizado.

A estratégia induz a uma fidelização do caminhante, que tende a separar a cada ano diferentes períodos de suas férias, completando em cada uma delas uma trilha regional diferente, com o objetivo final de, ao longo do tempo, terminar a Trilha Nacional inteira, mas tendo objetivos intermediários claros que lhe dão um sentimento de missão cumprida a cada caminhada anual. Trata-se de prover ao cliente uma sensação de vitória, similar àquela de uma criança que vai completando a cada dia uma página diferente de um álbum de figurinhas. Mais do que isso, a estratégia também permite que a Trilha de Longo Curso Nacional seja completada de forma que os diferentes segmentos possam ser caminhados de forma aleatória sem uma ordem estrita, mas respondendo à disponibilidade de tempo e de oportunidades dos clientes. A maioria das pessoas que hoje completam as grandes trilhas de longo curso do mundo, a exemplo da Appalachian Trail, o fazem dessa forma. Esses caminhantes são conhecidos como section hikers.

A estratégia gera a oportunidade para a oferta de serviços de apoio, que vão muito além da guiagem e incluem estabelecimentos de alimentação e hospedagem, ressuprimento, aluguel e transporte de equipamentos para aqueles que preferem caminhar sem carregar um grande peso às costas, serviços de logística de acampamentos e transfer entre aeroportos e a trilha, entre outros.

Assim, as Trilhas de Longo Curso podem contribuir de forma significativa para que possamos transformar nossos atrativos em produtos turísticos, o que é, de fato, um dos maiores desafios do fortalecimento do turismo no Brasil. Estamos só “arranhando a superfície” de todo o potencial que o Brasil possui na atividade de turismo de natureza e precisamos monitorar o papel das TLCs nessa agenda.

Além do papel notório das TLCs no desenvolvimento da economia do turismo no Brasil, precisamos também aprimorar as trilhas como ferramenta de educação ambiental e potencializar o impacto positivo da preservação de paisagens e da sociobiodiversidade presente nesses territórios.

É neste sentido que a Diretoria da Associação de Voluntários da Rede Brasileira de Trilhas iniciou um trabalho de levantamento das Trilhas de Longo Curso por todo o país. A Diretoria da Rede criou um Banco de Dados das Trilhas de Longo Curso ligadas à Rede, que possibilitou a análise um pouco mais sistematizada do cenário atual de implementação do sistema de trilhas de longo curso em todo país.

O trabalho desenvolvido em todo o Brasil, nos diversos movimentos ligados às TLCs, feito de forma coordenada, permite uma melhor visualização do cenário nacional dessas trilhas.

Neste artigo, vamos nos debruçar sobre as informações mais gerais que a Rede Brasileira de Trilhas levantou até março de 2020, com o intuito de observar de forma mais ampla o perfil dessas Trilhas e sua relação com as unidades de conservação. Muitos são os questionamentos sobre o tema e as primeiras informações começam a aparecer nessa análise ainda inicial.

Distâncias

As Trilhas de Longo Curso brasileiras já contabilizam 8.110 km de percurso, por meio de 58 trilhas atualmente cadastradas na Rede. São trilhas de variados tamanhos, que ligam áreas verdes em grandes metrópoles, mas que também conectam os lugares mais remotos do Brasil. Montanhas, praias, planaltos de campos e cerrados, alagados e até trilhas fluviais montam o grande mosaico de caminhos que tem como objetivo conectar todo o país e os brasileiros do Oiapoque ao Chuí e do Cabo Branco a Xapuri. Muitas trilhas já estão implementadas e, todos os dias, novos projetos estão sendo planejados, especialmente nos últimos anos.

O Brasil é um país de escala continental e sua rede de trilhas está presente em todas as regiões. Em sua grande parte, as Trilhas de Longo Curso aproveitam pequenas trilhas já existentes e, ao conectá-las, formam grandes percursos com identidade própria.

Atualmente, as dez trilhas regionais com maior percurso planejado são a Trilha Transmantiqueira[1] e a Trilha Transespinhaço, seguidas do Caminho das Araucárias, dos Caminhos do Planalto Central, a Rota dos Pioneiros, da Volta das Transições, o Caminho dos Veadeiros, do Caminho de Cora Coralina, do Caminho do Sertão e o Caminhos dos Canoeiros. Juntas, elas somam exatos 4.861 km de extensão, o que corresponde a cerca da metade da extensão do litoral atlântico brasileiro e equivale a 60% de todo o percurso cadastrado na Rede até o momento.

[1] A Trilha Transmantiqueira ainda é uma trilha regional, mas tem crescido muito e pela sua extensão pode vir no futuro próximo a ser uma Trilha Nacional subdividida em 5 trilhas regionais.

 
Trilha de Longo Curso
Distância planejada
Estado

1

Trilha Transmantiqueira

1200

SP, MG, RJ

2

Trilha Transespinhaço

1000

MG

3

Caminho das Araucárias

550

RS, SC

4

Rota dos Pioneiros

411

PR, MS e SP

5

Caminhos do Planalto Central

400

DF

6

Volta das Transições

340

MG

7

Caminho dos Veadeiros

324

GO

8

Caminho de Cora Coralina

300

GO

9

Caminho do Sertão

286

MG

10

Caminhos dos Canoeiros

250

AL

Tabela 1. Relação das 10 maiores Trilhas de Longo Curso da RBTLC

Como podemos observar, a média de tamanho das 10 maiores trilhas de longo curso brasileiras ligadas à Rede é de 486 km de percurso. Mas é importante ressaltar que a as Trilhas Transmantiqueira e Transespinhaço se destacam no que se refere à extensão, pois possuem distâncias igual ou superior a 1000 km de trilha. As outras 8 Trilhas possuem no máximo 550 km e no mínimo 250 km e sozinhas apresentam uma média simples de 358 km por trilha.

As Unidades de Conservação

A conectividade entre áreas protegidas possivelmente é a maior contribuição das Trilhas de Longo Curso para a proteção dos ecossistemas em todo o mundo. Muitos habitats naturais que eram quase contínuos foram transformados em manchas isoladas. A supressão da floresta pela expansão das atividades agropecuárias, a dificuldade no ordenamento áreas rurais e urbanas e os grandes empreendimentos são algumas das principais causas de fragmentação de ambientes. O resultado disso é uma série de perdas de serviços ecossistêmicos prestados.

O aumento de efeito de borda e o isolamento de populações que perdem o poder de migração e dispersão geralmente dificultam a troca gênica e favorecem o declínio populacional. Mesmo em áreas especialmente protegidas, a falta de conectividade com outras áreas dificulta a troca genética com outros espécimes e induz à extinção local de algumas espécies menos resilientes.

“Os benefícios gerados pelas Trilhas de Longo Curso previstos no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, vão além da conectividade das unidades de conservação (…) ambos promoverem a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico.”

O Brasil possui uma grande malha de áreas protegidas, concebida, por meio da Lei do SNUC, para ser gerida como um Sistema, onde as unidades de conservação têm posição de destaque. Entretanto, a fragmentação de ambientes é um dos maiores desafios da gestão ambiental no Brasil, pois, além dos efeitos nefastos já citados, tornam a malha mais próxima de um conjunto do que de um sistema, induzindo a gestão individualizada de cada área protegida. Nesse sentido as TLCs têm um papel estratégico como ferramenta de conectividade, contribuindo para o funcionamento sistêmico da malha.

A presença das Trilhas devidamente implementadas possibilita a manutenção de corredores ecológicos/conectores de paisagens que permitem o deslocamento de fauna silvestre ao longo de seu território. A manutenção dessas áreas com seus aspectos ainda naturais é a grande contribuição das Trilhas para a conservação ambiental. Sua preservação é geralmente assumida por voluntários locais em colaboração com o poder público. Normalmente, em função da geração de renda produzida pela atividade turística ao longo do caminho, empresários locais também contribuem com a implementação e manutenção de TLCs.

As TLCs já cadastradas na Rede Brasileira de Trilhas se distribuem nos seis biomas existentes no país, Mata Atlântica, Cerrado, Pampas, Caatinga e Amazônia e Pantanal. Elas estão presentes em centenas de municípios distribuídos em 21 estados brasileiros e no distrito federal (RS, SC, PR, SP, RJ, ES, MG, MS, MT, DF, GO, TO, BA, SE, AL, CE, PI, RO, RR, PA, AC e AM).

Essa conectividade gerada pelas Trilhas de Longo Curso como ferramenta de conservação fortalece principalmente as áreas especialmente protegidas. Inclusive, a Lei 9.985/2000 que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) de Conservação, tem como um de seus objetivos, justamente favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico. Elementos basilares do conceito de Trilhas de Longo Curso.

Em total alinhamento aos princípios que regem a agenda de áreas protegidas, a Rede Brasileira de Trilhas, em 2019, se manifestou oficialmente em favor da criação do Monumento Natural da Mantiqueira Paulista, nos municípios de Cruzeiro e Piquete, SP, durante Audiência Pública em processo de possível criação da UC de Proteção Integral. O Pico Itaguaré (em Cruzeiro) e o Pico dos Marins (em Piquete), incluídos na proposta do MONA, são pontos estratégicos no traçado da Trilha Transmantiqueira.

Vale destacar que um dos princípios do SNUC é a “busca de apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, de organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação;” e as TLC são uma oportunidade de fortalecer essa relação entre os diversos atores desses territórios.

Unidades de conservação e Trilhas de Longo Curso em números

Atualmente, 208 Unidades de Conservação estão conectadas por 58 Trilhas que seguem os pressupostos da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso. Em um cálculo matemático simples, cada TLC conecta em média, 3,6 unidades de conservação.

A Transespinhaço (MG) é a Trilha de Longo Curso que conecta o maior número de unidades de conservação: são 50 UCs ao longo dos cerca de 1000 km de percurso, dos quais 200 já estão sinalizados com as pegadas amarelas e pretas características das trilhas que integram a Rede. A Transmantiqueira é a segunda Trilha no ranking de unidades de conservação, são 30 áreas conectadas pela trilha que percorre montanhas de três estados.

Com objetivo de conhecer um pouco mais sobre o perfil dessas unidades de conservação, apresentamos então, aqui uma análise rápida do perfil daquelas UCs que são as áreas núcleo dessas duas grandes trilhas.

 

Trilha Transespinhaço

Das 50 Unidades de Conservação interligadas pela Transespinhaço, 31 são de Uso Sustentável e 19 são do Grupo de Proteção Integral. Entre as de Uso Sustentável, podemos observar 20 UCs da categoria Área de Proteção Ambiental (APA), 10 RPPNs e 01 Floresta Estadual. A presença de 12 Parques também chama a atenção. Sendo 02 deles municipais, 07 estaduais e 03 nacionais, entre eles o Parque Nacional da Serra do Cipó. Que somados aos 06 Monumentos Naturais e 01 reserva Biológica, fecham o Grupo de UCs de Proteção Integral até agora.

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Trilha Transmantiqueira

Já na Trilha Transmantiqueira entre as 30 UCs, identificamos 20 de Uso Sustentável e 10 de Proteção Integral. No Grupo de Uso sustentável, podemos observar 8 APAs, 12 RPPNs. Entre as categorias de Proteção integral, 7 Parques e 3 Monumentos Naturais também são integrados à Trilha. As 4 categorias mais presentes, APA, RPPN, Parque e Mona coincidentemente, são também são as categorias presentes de forma mais significativa na Transespinhaço. As categorias Floresta e Reserva Biológica, esta última com visitação proibida, são observadas somente uma única vez ao longo da Trilha.



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Categoria
Transmantiqueira
Transespinhaço

RPPN

12

10

APA

08

20

Parque

07

12

Monumento Natural

03

06

Reserva Biológica

0

01

Floresta

0

01

Total

30

50

Tabela 2. Distribuição das unidades de conservação por categoria nas duas maiores TLCs, Transmantiqueira e Transespinhaço.

A importância da participação das UCs particulares também fica bem clara nesses territórios, observando os números apresentados. Nos dois exemplos, elas se destacam e, em nível nacional, também. Em toda a Rede 26 Reservas Particulares do Patrimônio Natural estão conectadas por TLCs implementadas ou ainda na fase de planejamento, representando cerca de um terço da lista total de UCs. Esse fato destaca a importância do engajamento da sociedade civil como peça chave para o sucesso da implementação dessas trilhas.

As Áreas de Proteção Ambiental (APAs), também são expressivas, como esperado, pois essa é uma categoria frequentemente adotada em regiões com presença de propriedades particulares e em áreas periurbanas, funcionando como importante ferramenta de ordenamento territorial. Nelas as Trilhas de Longo Curso assumem papel estratégico, pois incentivam a manutenção de faixa contínua de terra em condições naturais, assegurando a conexão dos fragmentos florestais que são as áreas núcleo das APA.

Entre as UCs de Proteção Integral, a presença da categoria Parque é notável nos dois estudos de caso. Somente nessas duas trilhas, 19 Parques Nacionais, Estaduais e Municipais podem ser percorridos, o que traz uma oportunidade de fortalecimento dessas TLCs como equipamento de ecoturismo muito interessante. Nesse sentido, vale lembrar que a categoria Parque é a única que o SNUC aponta como tendo entre seus objetivos o turismo em contato com a natureza e a recreação e, que pelos seus atributos cênicos, os Parques são tradicionalmente as UC mais visitadas.

Ainda nesse contexto, a presença de Monumentos Naturais também corrobora o fortalecimento do ecoturismo nesses territórios, devido aos aspectos essencialmente cênicos das paisagens dessas UC. O Monumento Natural, apesar de ser uma categoria do grupo de Proteção Integral, segundo o SNUC, tem permitida a presença de propriedades privadas, o que oportuniza mais vez o estreitamento das relações público/privadas, fundamentais para o avanço de projetos dessa natureza.

Esfera administrativa das UCs

A presença de UCs geridas por distintas esferas administrativas é importante na medida em que se pretende institucionalizar o Projeto de TLCs como um projeto plural em que todos os envolvidos possam desenvolver um sentimento de "pertencimento à causa". As TLCs são, então, uma oportunidade de exercitar a integração entre a União, os Estados da Federação e as Prefeituras Municipais, o que é, sem dúvida, um dos desafios da gestão pública no país.

Tanto a Transespinhaço como a Transmantiqueira conectam unidades de conservação federais, estaduais e municipais, além de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) que, apesar de criadas pela administração pública, são unidades de conservação gerenciadas por particulares e constituídas por propriedade privada.                                                                        
Esfera administrativa
Transmantiqueira
Transespinhaço

Particular

12

10

Municipal

2

19

Estadual

13

17

Federal

03

04

Tabela 3. Distribuição das UCs por Trilha e por esfera administrativa.

As UCs federais vem em menor número nesses exemplos, mas não em menor importância. O ICMBio é ator fundamental na articulação e promoção das TLCs e entre as 208 UCs catalogadas na REDE, 50 são áreas federais, todas com grande expressão para o uso público no contexto brasileiro. Os Parques Nacionais da Serra da Canastra, Cipó, Tijuca, Monte Roraima, Anavilhanas, Jaú, Brasília, Chapada dos Veadeiros, Aparados da Serra, Serra dos Órgãos, São Joaquim, Itatiaia e Serra da Bocaina são alguns dos diversos exemplos de 24 Parques Nacionais conectados pela Rede.

Já na Transespinhaço e na Transmantiqueira, as UCs federais estão representadas por 3 e 4 unidades de conservação federais respectivamente, com destaque para o Parque Nacional da Serra do Cipó e o Parque Nacional de Itatiaia, ambos com exuberante paisagem e diversidade biológica incrível.

Na esfera estadual está o maior número de UCs contabilizadas. Elas são destaques na Transmantiqueira e na Transespinhaço, onde também são altamente relevantes. Os estados vêm assumindo cada vez mais a gestão ambiental no âmbito de suas competências legais e a presença de UC estaduais corrobora o fortalecimento dos estados da federação na gestão de áreas protegidas e na conservação de seus territórios.

Atualmente, 71 (34%) unidades de conservação estaduais estão conectadas por alguma TLC. Além dos exemplos aqui analisados (Transmantiqueira e Transespinhaço), podemos citar os Caminhos do Rio Negro (AM) com 6 UCs estaduais e o Caminho das Araucárias na serra gaúcha/catarinense que integra 5 UCs estaduais, entre elas o Parque Estadual do Tainhas, no Rio Grande do Sul.

Os municípios também aparecem com destaque. As UCs geridas por prefeituras têm evidência na Transespinhaço onde, entre as 19 UCs administradas por instituições ligadas ao poder local, 14 são Áreas de Proteção Ambiental. Na Transmantiqueira, por outro lado, somente 2 UCs municipais foram identificadas.

Atualmente são 47 unidades de conservação municipais conectadas pelas TLCs em toda a Rede. Além dos exemplos estudados, a Rota Darwin liga 6 UCs municipais e a Transcarioca conecta 7 UCs municipais em seus traçados, entre elas destacamos o Monumento Natural dos Morros do Pão de Açúcar e Urca, que é um dos cartões postais do Brasil.

Sinalização de Trilhas

O ato de sinalizar um caminho, indicando a direção correta a seguir, é bem antigo na história da humanidade. Peregrinos na Europa, índios e bandeirantes no Brasil já se utilizavam de marcações em pedras e árvores para atingirem seus destinos.

Atualmente, depois que Unidades de Conservação mundo afora adotaram as trilhas como aparelho de recreação e educação ambiental, a sinalização das mesmas tornou-se imperiosa, a fim de se cumprirem dois objetivos básicos:

  • Segurança, indicando a direção precisa ao caminhante, evitando que se perca.
  • Preservação do meio ambiente, facilitando ações de manejo, tais como: evitar processos erosivos, criação de atalhos ou pisoteio de áreas sensíveis a fim de recuperar nascentes, etc.
Na Europa as trilhas são sinalizadas desde antes do Império Romano, quando ainda eram destinadas ao trânsito de pessoas e cargas. As trilhas em parques são sinalizadas desde a criação do primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone, em 1876.

A sinalização pintada em árvores é usada na Europa, EUA, Canadá e Austrália, além da maioria dos outros países, dentro e fora de Parques Nacionais inclusive Patrimônios Mundiais da Humanidade (Everglades, Yosemite, Table Mountain, etc).

A sinalização é parte fundamental do processo de implementação do projeto, sendo objetivo da Rede que as Trilhas de Longo Curso sejam sinalizadas de forma muito clara e intuitiva. Ou seja, a exemplo das rotas de longo curso mais bem sucedidas do mundo, como a Appalachian Trail e o Caminho de Santiago, devem estar preparadas para receber o visitante que ainda não conhece o caminho, sem a necessidade de um guia local.

Para lograr esse objetivo, a Rede Brasileira de Trilhas segue o padrão internacional de “sinalização rustica”, simplesmente pintando com pegadas sinalizatórias árvores, postes, pedras e qualquer elemento natural ou artificial ao longo da trilha, de forma que a sinalização fique bem clara. A estratégia foi amplamente adotada e, a exemplo de outras partes do mundo, vem funcionando muito bem no Brasil. A Rede trabalha continuamente para melhorar a estratégia de sinalização, tão importante para o sucesso de todo o projeto.

Segundo os padrões da Rede Brasileira de Trilhas, cada Trilha tem uma identidade visual única, que lembra uma pegada, sempre nas cores amarela e preta, o que possibilita a melhor visualização da direção a seguir, além de ser muito intuitiva, conduzindo bem o caminhante ao longo do percurso e padronizando todo o sistema de trilhas. A estratégia leva ainda ao fortalecimento da identidade da própria Rede Brasileira de Trilhas, pois o logotipo de cada trilha individual remete a todas as trilhas do país, criando dessa maneira uma marca turística "Trilhas do Brasil", facilmente promovida por órgãos do setor como a Embratur.

No que se refere à sinalização das Trilhas da Rede, a Volta das Transições, o Caminho de Cora Coralina, a Trilha Transcarioca e o Caminho do Sertão abrem a relação das trilhas com maiores trechos já sinalizados. Juntamente com a Rota Darwin, a Trilha Verde da Maria Fumaça e os Caminhos da Serra do Mar essas Trilhas formam o grupo dos trajetos que já estão completamente sinalizados e juntos somam mais de mil quilômetros de pegadas amarelas e pretas.

O Processo de sinalização busca ser o mais simples e barato possível e grupos de voluntários vem desenvolvendo esse esforço que já soma mais de 2.667 km sinalizados em trilhas localizadas em todas as regiões do país. O que, no momento da publicação desse estudo, contabiliza exato 1/3 dos 8.110 km atualmente previstos.

A distância já sinalizada das 10 trilhas com maior destaque nesse quesito varia de 92 km na Trilha Verde da Maria Fumaça, até os 340 km da Volta das Transições, duas trilhas mineiras. Inclusive, Minas Gerais se destaca nesta lista, pois o estado abriga metade das 10 trilhas cuja implementação está mais avançada.
 
Trilha de Longo Curso
Sinalizada (em km)
Estado

Volta das Transições

340

MG

Caminho de Cora Coralina

300

GO

Trilha Transcarioca

213,3

RJ

Caminho do Sertão

206

MG

Trilha Transespinhaço

200

MG

Trilha Transmantiqueira

160

SP, MG, RJ

Caminho das Araucárias

160

RS, SC

Caminho dos Veadeiros

150

GO

Caminhos do Rio Negro

129

AM

Trilha Verde da Maria Fumaça

92

MG

Tabela 4. Relação das 10 TLCs com mais trechos sinalizados

Por Fim

A integração das diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas são elementos fundamentais no conceito das Trilhas de Longo Curso em todo o mundo. No Brasil, são diretrizes fixadas pela Lei que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e pela Portaria que deu vida à Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso e Conectividade.

A sua função como corredor ecológico e elemento de conectividade, se soma ao fato das TLCs oferecem oportunidade de maior engajamento de voluntários e de toda a sociedade civil. Com isso, elas colaboram de forma cada vez mais estratégica na gestão das unidades de conservação e, consequentemente, de sua efetividade.

O conceito aplicado à sinalização das trilhas da Rede é muito intuitivo e a sua implementação não requer alto custo. Com sua identidade visual marcante, que estabelece um padrão nacional, mas pode ser individualizada para cada trilha específica, as pegadas amarelas e pretas, sem perder a uniformidade, refletem os valores da territorialidade local e se expressam de diferentes formas do Oiapoque ao Chuí e do Cabo Branco a Xapuri.

O Reconhecimento das TLCs como ferramenta de conservação, conectividade de paisagens, recreação, geração de renda, educação ambiental e corredor ecológico também foi logrado durante o III Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e do Caribe, em Lima, no Peru, em 2019, quando foi criada uma Coordenação Técnica para América Latina e Caribe, para as Trilhas de Longo Curso.

Naquela oportunidade, o grupo também destacou a necessidade de serem estabelecidas políticas nacionais e estaduais de TLCs com o objetivo de conectar de paisagens e fragmentos de áreas naturais.

No entanto, para que as Trilhas de Longo Curso cumpram plenamente a função de produto turístico bem planejado, com serviços associados melhor qualificados, urge a necessidade de maior investimento em recursos financeiros e de pessoal na temática por parte da administração pública. É fundamental, também, que a administração pública entenda o papel das Trilhas de Longo Curso Nacionais como instrumento de gestão territorial.

As primeiras informações geradas pela Rede Brasileira de Trilhas nos mostram que a relação entre as unidades de conservação e as Trilhas de Longo Curso veio pra ficar. Diante disso, é preciso definir como essa ferramenta de gestão deve se integrar ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Os EUA integraram as Trilhas de Longo Curso no Sistema Nacional de Áreas Protegidas Norte-Americanas na década de 1960. O Brasil precisa definir com clareza o espaço das TLCs no arcabouço jurídico nacional para que possamos consolidar ainda mais o conceito e potencializar os efeitos positivos dessas trilhas na proteção de nossos ecossistemas com os benefícios associados advindos da recreação e da geração de emprego e renda.

Monitorar a implementação dessas Trilhas como ferramenta do SNUC é imperioso. Os primeiros dados já nos mostram a mutuamente proveitosa relação entre as unidades de conservação e as Trilhas de Longo Curso. Muito ainda temos a explorar nesse vasto território: o Brasil já alcançou resultados importantíssimos, mas certamente, ainda temos um longo caminho a percorrer. Nas três esferas de governo, iniciativa privada e sociedade civil, precisamos nos unir para aplicar cada vez melhor essa nova ferramenta de conservação, de maneira a que ela ajude o SNUC a produzir sempre melhores resultados na sua missão legal.

Fonte:
Meyer, J. 2020. A relação entre as Trilhas de Longo Curso e as Unidades de Conservação no Brasil: uma sinergia que contribui para integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação..
Julio Meyer é diretor da Rede Brasileira de Trilhas